quarta-feira, 29 de abril de 2009

avó

De quando eu era pequenina...

« A minha avó, como nunca tem nada para fazer, apenas cuida de mim; murmura uma canção para me fazer adormecer, mas eu só gosto que o seu indicador seja uma especie de pêndulo e percorra o meu nariz, e assim que ela se cansa, eu ajudo-a, pegando no dedo dela e fazendo eu o gesto. Ela dá-me comer muitas vezes por dia, acha que tenho dois estomagos. No Verão ia com ela apanhar caracóis, e quanto aos tremoços, nunca me deixava comer a casca.
Ao final da tarde, o serão era no sofá, ela preparava-me bolachas maria barradas com mel e fazia-me o mesmo gesto do nariz, mas desta vez nos pés! Ela também costuma fazer renda, e costuma usar uns oculos até ao fundo do nariz. Ela até consegue tirar certos dentes!
Ela diz-me para não mexer nas decorações dela, e eu não mexo, mas ela insiste em limpá-las, mesmo que eu lhe diga para não o fazer, porque ela diz que ali não se mexe.
Ela ralha muitas vezes com o meu padrinho que, quando tenta brincar comigo às escondidas, consegue sempre pôr-me medo, principalmente quando calça os meus pequeninos e frágeis pés nas suas enormes e peludas pantufas que mais parecem um monstro ou quando me tira fotos em cima da sua prancha de bodyboard. Costumo chorar.
O meu pai pergunta-lhe sempre qual é o segredo; Sim, porque a minha avó Celeste faz as melhores batatas fritas da Europa, quiçá do mundo! »

com muito carinho, para a avó Celeste

segunda-feira, 13 de abril de 2009

colorir

Luzes. Não há câmara nem acção. Não sei o que há. Sento-me e fico a ver passar todasessas emoções que de algum modo deveria sentir, querer, agarrar. Eu não me levanto daqui, e elas comigo não vêm ter. É com esforço, mas eu já nem força tenho. Sei que posso parecer forte, mas nem tudo é o que parece. Nem tudo é o que deveria ser.
Devo pertencer a algum lugar longínquo pois não me identifico com nenhuma dessas caras diárias, que me fitam, expressam-se e que, por vezes, magoam-me.
Lembro-me dos tempos passados em que a minha preocupação era brincar, comer chupas e guloseimas. Lembro-me de quando não conhecia a dor; quando a única coisa que me magoava era cair do baloiço ou então bater com o carrinho que tanto gostava contra a parede. Lembro-me de quando era feliz. Mas já nem me lembro do que é. Eu não sou triste, porque não sei o que sou. Não me lembro o que é sentir, à tanto que nada sinto, sem ser o vento que bate ao cruzar essas ruas cheias de gente, mas tão vazias. Não há nada. Há dor. Magoam-me, mas nem me tocam ao passar na rua. Magoam pelo desprezo, pelo olhar que tende a ferir profunda e constantemente. Ao olhar, vejo tanto mas, nada vejo. Simplesmente porque não sei o que hei-de ver. Aqui as pessoas não se tocam, porque não sabem o que vão sentir. Assim dói mais.
Mas, quando há uma oportunidade, uma outra rua, iluminada e vistosa, cheia de pessoas a quem falar, tocar, abraçar e agradecer, sentimos que afinal, o mundo não é tãonegro como o desenhamos. Ele é preto e branco porque temos preguiça, preguiça e preguiça: de lutar,de sentir, de colorir. Aí, eu sinto os lápis de côr (...)

por R.Ribeiro & J.Alexandre